segunda-feira, 7 de maio de 2007
Pelo fundo da agulha, de Antônio Torres
Último livro da trilogia do migrante iniciada em 1976, Pelo fundo da agulha traz para dentro do si mesmo, na imobilidade do personagem deitado na cama num estágio de consciência fronteiriço entre a vigília e o sono, o balanço da trajetória de Totonhim desde sua saída do Junco, interior da Bahia, aos vinte anos de idade, até a construção de sua vida em São Paulo – o ingresso no Banco do Brasil, o casamento com a filha do general, sua vida de casado, de separado e, finalmente, de aposentado. A associação livre da memória une elementos irremediavelmente separados pela vida.
A imagem de sua mãe passando uma linha pelo fundo da agulha define a narrativa que é tecida com fio que vem desde a estréia de Torres com o primeiro livro da trilogia, Essa Terra (1976). Esse livro bombástico esgotou edições e nele conhecemos o ponto de vista da gente pobre que vem e vai entre o interior do nordeste e São Paulo. O tema já era clássico na nossa literatura, mas o migrante na primeira pessoa não.
Empobrecida pela perda de sua propriedade para o banco e dividida pela diferença de visão de mundo do pai – quer permanecer na roça – e da mãe – quer ir para Feira de Santana onde há chance de progressão escolar para os filhos – a família busca na volta de Nelo sua última esperança. Nelo havia ido para São Paulo há vinte anos e não consegue suportar o peso das cobranças, especialmente das expectativas de sua mãe. Doente e fracassado, põe fim em sua vida. Entretanto, o suicídio de Nelo não mata o sonho da cidade de tentar a vida no “sul maravilha” e, no final, Totonhin entra no ônibus, mesmo contra a vontade do pai.
Com destino muito diferente do irmão, Totonhim prospera e se fixa em São Paulo. Volta para Junco apenas uma vez para uma rápida visita por ocasião dos oitenta anos de seu pai, motivo do segundo romance da trilogia, O cachorro e o lobo (1997). Nele acontece o confortante reencontro de Totonhim com sua terra, os sons, os sabores e as pessoas da sua infância e adolescência. Mas a realidade de sua vida é bem outra, e quando o pai pede para que ele fique ali, a impossibilidade de conciliação entre as duas vidas rompe e Junco fica para sempre nos parêntesis de um fim-de-semana.
Romances belos e sensíveis percorrem os dramas vividos na migração puxando fios que vêm desde Vidas secas (1938) e que passam por Morte e vida severina (1956) entretecendo uma outra trama: o personagem integrado. O jovem promissor que cumpre e ultrapassa todas as expectativas. Um menino especial que na infância já era conhecido pelo gosto da escrita e que desenvolve o gosto pela literatura. Assim é que não intriga o leitor o vasto saber literário do funcionário. Homem marcado por metáforas e lembranças.
No entanto, é de limites que trata o romance. A identidade esgarçada até o difícil reconhecimento no intervalo entre ser nordestino, sem mais sê-lo, e paulista que é sem ser. Pelo fundo da agulha revela Totonhim pelejando com suas memórias, relembrando as pessoas, os motivos, e os acontecimentos de sua vida para vislumbrar um sentido e um motivo para se levantar no dia seguinte.
Adriana Araújo.
Doutora em Letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Encontro da sexta-feira 16.03.2007
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